O próximo Dia dos Namorados acontece numa Terça-feira, o que poupa muito solteiro infeliz de recorrer a expedientes complicados para sublimar a data. Ela ficará obliterada no movimento de uma semana de trabalho. Quem, apesar disso, ficar muito consciente dela, é por ter pessoa que o obrigue à lembrança, para melhor ou pior. A segunda opção, de memórias a que uma lobotomia só faria bem, tem semelhantes nestes romances taquigráficos contrários à máxima nelsonrodriguiana "se acabou, não era amor".
O amor estimula as artes e a ciência. Sem ele não haveria música, literatura, dança, teatro, cinema e remédios de tarja preta. Não música, literatura, dança, teatro, cinema remotamente interessantes; não tarjas tão pretas. Cada manifestação do que se quer chamar de o sentimento maior de todos entre duas (e, às vezes, três, quatro, cinco...) pessoas tenta provar corajosamente, egoisticamente sua existência através dos séculos ou sua presença em uma vida, exigindo para si o contraditório epitáfio "Amor". É pequeno, é nada; cada um, numa vida, sabe o que foi. Aqui, alguns.
*Nietzsche e Lou Salomé*
"A mulher aprende a odiar à medida que desaprende a fascinar" é um dos aforismos anti-fêmea que Nietzsche passou a escrever depois de levar uns três tocos consecutivos de Lou Salomé. Ela preferiu dar mole pra Freud e pegar Paul Reé, mesmo porque Níti devia ser um sujeito infinitamente mais intenso que aqueles dois. (Sugestão para enquete: você sairia com o Níti?)
*Clarice Lispector e Chico Buarque*
Em 1968, enquanto a maioria prestava atenção ao inflamado discurso do líder dos estudantes Vladimir Palmeira na Passeata dos Cem Mil, Clarice Lispector falava doçuras e, segundo o testemunho de Nelson Mota, manjava languidamente os olhos verdes de Chico (e mais todo o conjunto da obra que ainda hoje faz enorme sucesso). Até onde vão os registros oficiais, não deu em nada.
*Dorothy Parker e Robert Benchley*
Da biografia de Dorothy Parker (ED. Civilização Brasileira):
"Certa manhã, em 1919, Dorothy depara-se com um indivíduo pálido, de gestos acanhados, transpirando puritanismo, que parece querer partilhar seu escritório na Vanity Fair. Robert Benchley encarna a tal ponto o protótipo daquilo de que ela gosta de zombar que esquece de tirar seus óculos, gesto ritual de sedução (n.r.: lembre-se do versinho do Dorothy: "Men seldon make passes at girls who wear glasses"). Percebe que rói as unhas e logo imagina que use cuecas compridas. Por que Crownshield teria admitido esse escoteiro, interroga-se.
Benchley é o tipo de homem de quem os amigos costumam dizer "se ele fosse mulher, eu me casaria.""
Ela era dona do senso de humor mais ácido a desfilar pela mesa redonda do Algonquim e ele fazia o tipo "perdedor" de humorista, personagem que brinca com seus próprios fracassos. Referiam-se um ao outro como "Sra. Parker" e "Sr. Benchley" e protagonizaram uma longa história de tesão reprimido, trabalhando juntos, saindo juntos, bebendo juntos. Mas apenas roçando a qualidade de amantes na mente maldosa do seu círculo de amigos e, muito provavelmente, na sua própria imaginação: nunca... nunca. Nunquinha. Dorothy, segundo Edmund Wilson, o considerava um santo, mesmo sabendo que ele traía a esposa suburbana com uma vedete enquanto ajudava Dorothy a recuperar-se de suas eventuais tentativas de suicídio. Quando ele morreu de cirrose hepática em 1945, Dorothy foi ver o corpo e declarou, repetindo o convidado de Gatsby ao olhar o antigo anfitrião morto: "Coitado do filho da puta!"
*Glauber Rocha e Helena Ignes*
"Metro Goldwyn Mayer. High Society, Uísque e mambo. Uma das amigas me cochichou: "Vá dançar com Leninha". Na dança, nos colamos, a beijei, mordi, lambi boca, orelha, pescoço. Era quente, Veio. (...) A Bahia queria comer Helena. Era nossa Brigitte. Nossa Marilyn. Eu possuía a mulher mais desejada da Bahia. (...) Intelectual de classe média, estudante de Direito e de teatro, casada com Glauber Rocha, cronista social e animadora de TV, candidata derrotada a Miss Bahia, bonita, elegante, loura, fuma, não sabe dirigir, úlcera, ligeiramente nervosa, radical com a mediocridade (...)"
"Ela me comeu e foi embora." (retirado de Revolução do Cinema Novo – Glauber Rocha)
Precisa dizer mais?
*Goethe e Charlotte / Werther e Charlotte / Karl e Sra. Herd*
Na época em que escrevia Os Sofrimentos do Jovem Werther, Goethe era a fim de uma menina que havia conhecido num baile em Wetzlar e, aos primeiros contatos, não soube que era comprometida com um sujeito chamado Kestner, de quem acabou tornando-se amigo mesmo depois de saber que era ele o embarreirador oficial da situação. Pulou fora, claro, sensatamente, não sem antes revelar várias vezes seu amor à menina (Charlotte) e deixando o próprio Kestner saber da história.
No mesmo círculo de amigos de Goethe e Kestner e Charlotte em Wetzlar, havia um jovem chamado Karl Willhem Jerusalem que também gostava de manjar a mulher de outrem. Ele era muito apaixonado pela dona dum tal secretário Herd.
Aí cêis vejam a esperteza do Goethe: na primeira parte do Werther, o sofrimento é o dele; na segunda, quando o indivíduo finalmente mete uma bala no meio dos cornos, aí já é o tal do Jerusalem, entende? Que, de fato, se matou por causa da mulher do tal do Sr. Herd. E quem contou pro Werther, digo, Goethe, que o Jerusalem tinha se matado foi o próprio Kestner.
O livro provocou suicídios entre os jovens que o leram à época de seu lançamento. Não tentem fazer isso em casa. Ou melhor, em lugar algum.
*Gore Vidal e James Trimble*
James Trimble é o JT a quem Gore Vidal dedicou seu primeiro romance, A Cidade e o Pilar, de temática abertamente homossexual, o que era novo e considerado impróprio em 1948. Os dois se conheceram em um internato para rapazes por volta de 1940 e logo ficaram amigos. Até que um dia ficaram amigos e peladões sobre um chão de azulejos brancos. A partir daquele dia, "o prazer sexual mal podia dar conta do enorme deleite que desfrutávamos da nossa mútua companhia".
Jimmy foi para a guerra e morreu em um ataque em Iwo Jimo, em 1945.
Gore Vidal em sua biografia, de 1995, Palimpsesto, em que se declara parte de um casamento branco (aquele no qual "não se faz coisinha"): "Vivo agora há meio século com um homem, mas o sexo não desempenhou um papel no relacionamento e assim, onde não há busca nem desejo, não existe completude. Mas existem estados menores satisfatórios, migalhas."
*Walther Moreira Salles e minha mãe*
Eu também sou filha dele!