18.12.02

Deletei o "Romances taquigráficos 1" pra postar agora a versão completa:

O próximo Dia dos Namorados acontece numa Terça-feira, o que poupa muito solteiro infeliz de recorrer a expedientes complicados para sublimar a data. Ela ficará obliterada no movimento de uma semana de trabalho. Quem, apesar disso, ficar muito consciente dela, é por ter pessoa que o obrigue à lembrança, para melhor ou pior. A segunda opção, de memórias a que uma lobotomia só faria bem, tem semelhantes nestes romances taquigráficos contrários à máxima nelsonrodriguiana "se acabou, não era amor".

O amor estimula as artes e a ciência. Sem ele não haveria música, literatura, dança, teatro, cinema e remédios de tarja preta. Não música, literatura, dança, teatro, cinema remotamente interessantes; não tarjas tão pretas. Cada manifestação do que se quer chamar de o sentimento maior de todos entre duas (e, às vezes, três, quatro, cinco...) pessoas tenta provar corajosamente, egoisticamente sua existência através dos séculos ou sua presença em uma vida, exigindo para si o contraditório epitáfio "Amor". É pequeno, é nada; cada um, numa vida, sabe o que foi. Aqui, alguns.

*Nietzsche e Lou Salomé*

"A mulher aprende a odiar à medida que desaprende a fascinar" é um dos aforismos anti-fêmea que Nietzsche passou a escrever depois de levar uns três tocos consecutivos de Lou Salomé. Ela preferiu dar mole pra Freud e pegar Paul Reé, mesmo porque Níti devia ser um sujeito infinitamente mais intenso que aqueles dois. (Sugestão para enquete: você sairia com o Níti?)

*Clarice Lispector e Chico Buarque*

Em 1968, enquanto a maioria prestava atenção ao inflamado discurso do líder dos estudantes Vladimir Palmeira na Passeata dos Cem Mil, Clarice Lispector falava doçuras e, segundo o testemunho de Nelson Mota, manjava languidamente os olhos verdes de Chico (e mais todo o conjunto da obra que ainda hoje faz enorme sucesso). Até onde vão os registros oficiais, não deu em nada.

*Dorothy Parker e Robert Benchley*

Da biografia de Dorothy Parker (ED. Civilização Brasileira):

"Certa manhã, em 1919, Dorothy depara-se com um indivíduo pálido, de gestos acanhados, transpirando puritanismo, que parece querer partilhar seu escritório na Vanity Fair. Robert Benchley encarna a tal ponto o protótipo daquilo de que ela gosta de zombar que esquece de tirar seus óculos, gesto ritual de sedução (n.r.: lembre-se do versinho do Dorothy: "Men seldon make passes at girls who wear glasses"). Percebe que rói as unhas e logo imagina que use cuecas compridas. Por que Crownshield teria admitido esse escoteiro, interroga-se.

Benchley é o tipo de homem de quem os amigos costumam dizer "se ele fosse mulher, eu me casaria.""

Ela era dona do senso de humor mais ácido a desfilar pela mesa redonda do Algonquim e ele fazia o tipo "perdedor" de humorista, personagem que brinca com seus próprios fracassos. Referiam-se um ao outro como "Sra. Parker" e "Sr. Benchley" e protagonizaram uma longa história de tesão reprimido, trabalhando juntos, saindo juntos, bebendo juntos. Mas apenas roçando a qualidade de amantes na mente maldosa do seu círculo de amigos e, muito provavelmente, na sua própria imaginação: nunca... nunca. Nunquinha. Dorothy, segundo Edmund Wilson, o considerava um santo, mesmo sabendo que ele traía a esposa suburbana com uma vedete enquanto ajudava Dorothy a recuperar-se de suas eventuais tentativas de suicídio. Quando ele morreu de cirrose hepática em 1945, Dorothy foi ver o corpo e declarou, repetindo o convidado de Gatsby ao olhar o antigo anfitrião morto: "Coitado do filho da puta!"

*Glauber Rocha e Helena Ignes*

"Metro Goldwyn Mayer. High Society, Uísque e mambo. Uma das amigas me cochichou: "Vá dançar com Leninha". Na dança, nos colamos, a beijei, mordi, lambi boca, orelha, pescoço. Era quente, Veio. (...) A Bahia queria comer Helena. Era nossa Brigitte. Nossa Marilyn. Eu possuía a mulher mais desejada da Bahia. (...) Intelectual de classe média, estudante de Direito e de teatro, casada com Glauber Rocha, cronista social e animadora de TV, candidata derrotada a Miss Bahia, bonita, elegante, loura, fuma, não sabe dirigir, úlcera, ligeiramente nervosa, radical com a mediocridade (...)"

"Ela me comeu e foi embora." (retirado de Revolução do Cinema Novo – Glauber Rocha)

Precisa dizer mais?

*Goethe e Charlotte / Werther e Charlotte / Karl e Sra. Herd*

Na época em que escrevia Os Sofrimentos do Jovem Werther, Goethe era a fim de uma menina que havia conhecido num baile em Wetzlar e, aos primeiros contatos, não soube que era comprometida com um sujeito chamado Kestner, de quem acabou tornando-se amigo mesmo depois de saber que era ele o embarreirador oficial da situação. Pulou fora, claro, sensatamente, não sem antes revelar várias vezes seu amor à menina (Charlotte) e deixando o próprio Kestner saber da história.

No mesmo círculo de amigos de Goethe e Kestner e Charlotte em Wetzlar, havia um jovem chamado Karl Willhem Jerusalem que também gostava de manjar a mulher de outrem. Ele era muito apaixonado pela dona dum tal secretário Herd.

Aí cêis vejam a esperteza do Goethe: na primeira parte do Werther, o sofrimento é o dele; na segunda, quando o indivíduo finalmente mete uma bala no meio dos cornos, aí já é o tal do Jerusalem, entende? Que, de fato, se matou por causa da mulher do tal do Sr. Herd. E quem contou pro Werther, digo, Goethe, que o Jerusalem tinha se matado foi o próprio Kestner.

O livro provocou suicídios entre os jovens que o leram à época de seu lançamento. Não tentem fazer isso em casa. Ou melhor, em lugar algum.

*Gore Vidal e James Trimble*

James Trimble é o JT a quem Gore Vidal dedicou seu primeiro romance, A Cidade e o Pilar, de temática abertamente homossexual, o que era novo e considerado impróprio em 1948. Os dois se conheceram em um internato para rapazes por volta de 1940 e logo ficaram amigos. Até que um dia ficaram amigos e peladões sobre um chão de azulejos brancos. A partir daquele dia, "o prazer sexual mal podia dar conta do enorme deleite que desfrutávamos da nossa mútua companhia".

Jimmy foi para a guerra e morreu em um ataque em Iwo Jimo, em 1945.

Gore Vidal em sua biografia, de 1995, Palimpsesto, em que se declara parte de um casamento branco (aquele no qual "não se faz coisinha"): "Vivo agora há meio século com um homem, mas o sexo não desempenhou um papel no relacionamento e assim, onde não há busca nem desejo, não existe completude. Mas existem estados menores satisfatórios, migalhas."

*Walther Moreira Salles e minha mãe*

Eu também sou filha dele!
Sobre aquele seu grande amô

Tem quem acredite que a grande contribuição de filmes como “Sabrina” (opção bagaceira: qualquer um com a Meg Ryan), músicas como “The Long and Winding Road” dos Beatles (opção bagaceira: aquela do “estou fazendo amoooor com outra pessssssssoaaaaa...” – aliás, para estender o parêntese e divagar sobre o estranho verso citado, se o pagodeiro em questão não estivesse fazendo amor com outra pessoa, seria onanismo?) e os livros de Jane Austen para a nossa cultura é o fatalismo rosa-chá. Aquele que faz as paspalhas acharem que terão um amor de verdade na verdade e os outros serão balela.

Eu fico com as fatalistas rosa-chá. Duas historinhas:

Coco Chanel e Boy Capel

Boy Capel montou para a amante Coco Chanel sua primeira loja, uma chapelaria. A moça magrela e pobretona gostava de criar estilo e a partir dos chapéus, desenvolveu seu trabalho para chegar rasgando (com trocadilho) no mundo da moda.

Pois o rapaz inglês era o preferido de Chanel entre os amantes que ela tinha em Paris, e ela acreditava que era sua intenção propor casamento. Mas Boy ficou noivo de uma tal de Diana Lister, que vinha da mesma camada social que ele e todas essas besteiras que até hoje fazem sentido apenas dentro de um certo código moral xexelento.

Coco Chanel amargou aquela dor-de-cotovelo mas o grande choque foi quando Boy morreu ainda jovem, deixando para ela uma boa herança. Ela podia aceitar que ele estivesse casado, mas não morto. Chanel entrou em depressão e passava seus dias trancada no quarto, que mandou decorar todo de preto.

Depois de um tempo, Coco arranjou um tal de Dimitri. E um Pierre. E até deu uns pegas no Stravinski. Tudo palha: não haveria mais outro Boy Capel.

Ernest e Agnes

Era uma manhã de agosto de 1918, em um hospital de Milão. Um voluntário da Cruz Vermelha ferido na guerra teve pulso e temperatura tomados por sua enfermeira. A bela Agnes Kurowski, 26, logo em seguida deu banho em Ernest Hemingway, 28. Como o paciente estivesse consciente e até bem brincalhão (“Sou capaz de reter minha respiração por até três minutos!”), deixou que ele mesmo lavasse seus próprios genitais, limitando-se a massagear suas costas. A partir daquele momento, Agnes ficou gravada em Ernest como a perfeição e pelo resto de sua estada no hospital, ficava feliz quando ela atendia ao seu chamado pela campainha do quarto e arrasado se ela não viesse. Apaixonou-se e namorou a enfermeira, embora tenha se queixado de que certa vez ela foi jantar com um médico que usava um tapa-olho sobre a vista esquerda. Quis se casar com ela, que disse que o amava. Em outubro, Agnes partiu para Florença, prometendo-lhe fidelidade e cartas pelo período em que estivessem separados, nas quais contaria absolutamente tudo sobre sua rotina, completando: “Amo você cada vez mais e sei que vou levá-lo comigo quando voltar para casa.”

“Sonho com você todas as noites. Vi rapazes italianos atraentes no hospital, mas nenhum tão atraente quanto o meu rapaz.”

“Quando vi aquele casal no trem, ontem, desejei ter você ao meu lado para poder pôr meu rosto naquele lugar delicioso, você sabe, o lugar côncavo para a minha face, e adormecer com seus braços me envolvendo.”

Em março de 1919, o conteúdo das cartas de Agnes foi se modificando da ternura à frieza, até que trouxeram a notícia de que ela estava de casamento marcado com um italiano que acabara de conhecer. Ao ler sobre a traição inexplicada, subiu as escadas até seu quarto e vomitou, vomitou pra caralho.

Ernest escreve a um amigo: “Ela não me ama, Bill. Jogou tudo fora. Um “equívoco”. Um daqueles pequenos e famosos equívocos, você sabe. (...) estou simplesmente esmagado.”

Em seu segundo romance, “Adeus às Armas”, Ernest relembra sua história com Agnes, matando a heroína Catherine Barkley de parto. Pelo menos na fantasia ela permaneceria boa: era menos doloroso fechar a história com sua “morte” do que com o casamento com um oficial italiano que, segundo relatos da época, tinha ancas largas.

Depois, Ernest casou-se com Hadley. E casou-se com Pauline. E Martha. E, por fim, Mary. Mas acho, acho mesmo que, quando se matou, em 1961, a última coisa que passou por sua cabeça antes daquela bala foi a cachorra da Agnes Kurowski.